A vida, segundo Kierkegaard

'A vida só pode ser compreendida se olharmos para trás, mas deve ser vivida para frente...'
Diários, Soren Kierkegaard.

domingo, 7 de junho de 2009

Que dia é hoje? - Parte III






What day is it and in what month

This clock never seemed so alive
I can't keep up
And I can't back down
I've been losing so much time
Que dia é hoje e de que mês?
O relógio nunca pareceu tão vivo
Eu não posso prosseguir
E eu não posso desistir
Tenho perdido tempo demais


Deitada em sua cama, num quarto repleto de ursos e móveis em tons pastel, ela observava os pingos de chuva caindo e se arrastando no vidro da janela. Um ano, definitivamente, era muito tempo. Mas não seria tempo suficiente para que ela o esquecesse. Todos os dias ela imaginava o que ele estava fazendo. Se estava feliz, se esperava por ela e se também pensava nela àquele instante. Os dias pareciam se arrastar, como se quisessem testar o seu amor por ele.
Ela escutou quando um trovão rugiu como o rei dos céus, e tentou assustá-la, fazendo-a lembrar do último dia em que o vira.
— Você tem certeza? – ele disse, antes de entrar no ônibus.
Ele estava sério, e isso a fez assustar um pouco. Não tinha parado para pensar no peso daquela decisão, mas não iria desistir agora. Havia prometido que o esperaria e era isso que ela iria fazer.
— Eu tenho certeza.
Ela sorriu, e ele a abraçou uma última vez. Depois disso, uma chuva começou a cair de repente, e ele correu para a porta do ônibus, onde acenou para a garota. E foi embora.
A chuva o havia levado, e ela queria amaldiçoar aqueles pingos que insistiam em lhe perturbar.

Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to lose
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you
Porque é você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para perder
E é você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você


Ela estava ali, parada na porta do quarto dele, esperando que ele acordasse. Quando ele abriu os olhos, viu ela se aproximar devagar, seu rosto já estava bem próximo, e ele fechou os olhos esperando pelo beijo. Mas quando abriu novamente, ela já não se encontrava lá. Havia sonhando mais uma vez com os olhos negros a lhe perscrutar, a boca a lhe seduzir, seu jeito quase inocente de ser sensual.
Ele passou horas, apenas se perguntando como podia amá-la de uma forma tão intensa, mesmo com todos aqueles quilômetros que os afastavam. Já haviam se passado algumas semanas, e ele já conhecera várias pessoas com quem trabalharia, além das palestras do fórum que lhe ocupavam o dia inteiro. Ainda assim, rezava para que o fórum terminasse logo, para ele poder voltar para seu apartamento e ligar para Ela.
Olhou mais uma vez para a porta, onde ela estava até segundos atrás, e embora soubesse que era apenas um sonho, no fundo ele tinha esperanças que fosse verdade. Quando viu a fechada, poderia ficar triste, porém, lembrou-se de uma vez em que a encontrara em uma festa, antes de eles começarem a namorar. Ele havia bebido mais que o normal, mas mesmo assim, não poderia deixar de notá-la. Sabia que a conhecia de algum lugar, mas não se lembrava de onde. Como poderia esquecer um rosto tão bonito?
Aproximou-se devagar e tocou em seu ombro, o que a fez assustar e ela se virou de repente, olhando-o sem entender. Ele juntou palavras:
— Eu estava procurando por você.
Que cantada barata, de onde você tirou isso? Pensou ele.
— Por mim? – ela respondeu, sem entender menos ainda.
— Claro, passei a noite inteira te procurando.
Ela caiu nessa! Ele pensou já se empolgando.
— Terá que procurar mais um pouco, eu não sou essa pessoa.
Ela fez menção de sair, mas ele a impediu:
— Qual seu nome? – fez uma última pergunta.
Ela sorriu com apenas um canto dos lábios. Porém, não disse nada. Apenas saiu, como se deslizasse, e de repente, sumiu na multidão. Ele só percebeu que ela não estava mais ali, segundos depois quando se lembrou de onde a conhecia:
— A garota da chuva!
Olhou por todos os lados, procurando-a, mas era como se ela nunca tivesse estado ali.

All of the things that I want to say
Just aren't coming out right
I'm tripping inwards
You got my head spinning
I don't know where to go from here
Todas as coisas que quero dizer
Não estão saindo direito
Viajando em mim mesmo
Você deixou minha mente girando
Eu não sei pra onde ir daqui


Ela podia lembrar com detalhes daquela tarde. Estava em sua casa, assistindo algum programa sem tanto interesse. Escutou quando um carro estacionou em frente à sua casa e esperou que tocassem a campainha. Quando esta soou, ela levantou-se preguiçosamente do sofá e foi até a porta, ver de quem se tratava. Deu um passo para trás quando o viu ali. O que ele está fazendo aqui? Ele não tinha costume de ir até sua casa, apenas algumas vezes em que fora deixá-la após um encontro. Mas assim, sem avisar, não fazia o tipo dele.
Ela deu espaço para que ele entrasse, mas ele se limitou a ficar perto da porta, como se dissesse que não ia demorar muito.
Timidez, pensou ela.
Embora soubesse que aquela não era exatamente a característica que o definiria, mas pela situação, era a que ele se encontrava. Olhando um pouco para o chão, e um pouco para ela, ele disse:
— Vim saber se você vai para a festa de hoje.
— Vou, sim.
— E que horas quer que eu passe aqui?
— Passar aqui? – ela repetiu, como se não houvesse entendido.
— Claro, você vai comigo – ele respondeu como se fosse algo óbvio.
Ela sorriu por dentro. Sabia, aquela era a forma que ele tinha de chamá-la para sair.
— Ás onze, então.
— Certo – ele concordou, depois se despediu e saiu pela porta, ainda meio tímido. Ela o acompanhou até seu carro, e notou que um sereno manso caía sobre eles. O garoto abriu a porta do carro, e já ia entrar, quando parou e se virou para ela, que havia cruzado os braços por causa do vento trazido pelo início de chuva.
— Tem mais uma coisa que eu queria te perguntar.
Ele parou como se tentasse lembrar algo. Era agora, ele teria que ter coragem, e pedi-la em namoro. Abriu a boca para começar a dizer as palavras, mas ela o interrompeu:
— Será que não pode me perguntar isso hoje à noite? Eu estou me molhando, e hoje não é um bom dia para se pegar um resfriado.
— Claro...
Hoje à noite, ele repetiu em pensamento.

Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to prove
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you
Porque é você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para provar
E é você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você


— Você está linda, moça – ele lembrou-se do que havia dito a ela na noite em que fora buscá-la para irem a uma festa. Seria sua oportunidade de pedi-la em namoro e queria tornar o momento especial.
Agora não, terei a noite inteira para isso, Ele pensou.

Já na festa, ele estava apreensivo, e ela notou aquilo de certa forma. O garoto tentava disfarçar falando sobre outras coisas, mas seu estômago parecia revirar todas as vezes em que a olhava. Ela estava tão linda naquele vestido roxo, um pouco curto, deixando as pernas à mostra. Ele sentia que qualquer garoto ali queria pedi-la em namoro, e não sabia por que aquilo era tão difícil para ele. Bebeu mais um gole de uma cerveja, e sentiu o estrago que aquilo fez em seu estômago. Não sabia ao certo se era pelo nervosismo, ou a bebida que realmente não caíra bem, mas estava enjoado e sentiu vontade de vomitar.
— Você está pálido! O que está acontecendo? – ela disse.
— Não estou me sentindo bem – ele respondeu com uma cara feia, como se fosse vomitar ali mesmo.
— Então vamos para o hospital, você não pode vomitar aqui.
O hospital não era bem o local que ele tinha em mente para levá-la àquela noite, mas não estava mais agüentando os enjôos, e não tinha outra saída.

— Você vai ficar bem – disse a enfermeira, enfiando uma agulha em seu pulso e ajeitando um pacote com soro para que não derramasse de mais nem de menos.
Quando a mulher terminou e foi atender outro paciente, ele virou-se para a garota que estava ao seu lado, e disse:
— Eu não planejei isso.
Ela fez uma cara estranha, como isso fosse óbvio.
— Claro que não! Por que planejaria isso?
Ele demorou um pouco. Aquela não era a situação mais adequada, mas ele não queria mais perder tempo, então:
— Você vai ter que fazer uma decisão.
— Uma decisão? Eu odeio decisões...
Ela viu nos olhos dele a sinceridade daquelas palavras, e sentiu um medo lhe dominar. Do que ele estava falando? Será que era algum prenúncio de desculpa para terminar com ela? Mas terminar o que, se eles sequer eram namorados, só haviam saído algumas vezes. Ela já estava gostando dele, e não queria que tudo acabasse assim, sem mesmo começar. Mas seus temores foram vencidos, quando ele terminou o que tinha para dizer:
— Mas terá que fazer uma mesmo assim. Vai ter que decidir se quer ser minha namorada.

There's something about you now
I can't quite figure out
Everything she does is beautiful
Everything she does is right
Existe algo sobre você agora
Que não consigo compreender completamente
Tudo o que ela faz é bonito
Tudo o que ela faz é certo


Ela passou o dedo indicador entre os lábios, tentando lembrar quando foi o primeiro beijo.
Estava sozinha no ponto de ônibus, esperando a chuva passar para que ela pudesse ir para o colégio, quando uma figura aproximou-se e sentou ao seu lado.
— Será que dessa vez eu posso saber seu nome? – ele disse, e ela o encarou.
Era o garoto da festa, que tinha lhe passado uma cantada barata.
— Se você for sincero... – ela respondeu.
— Tudo bem. Te encontrei por acaso, não estive te procurando ou te seguindo. Ainda nem sei seu nome, mas é a segunda vez que a vejo no meio de uma chuva. Pelo menos desta vez você está protegida.
— Protegida de que? A chuva não é nenhum mal. Pelo contrário, ela lava a sua alma, te livrando dos maus pensamentos. Em mim, ela sempre traz lembranças.
— Talvez ela não seja tão ruim, desde que ela me dê algo que eu estou querendo muito.
Ele chegou ainda mais perto da garota, que agora podia sentir sua respiração.
— Por que não tenta pedir a ela?
— É o que eu vou fazer.
Em seguida, puxou a garota e a beijou. Um beijo tímido, mas que a garota jamais esquecera. Todos os dias quando passava por ali, ela podia voltar àquela manhã e sentir o sabor daquele beijo novamente.
Talvez a chuva não seja tão ruim assim, ele pensou.

You and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to lose
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of
Você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para perder
E é você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você


Ele virou para o lado esquerdo da cama, e ela, para o lado direito. Eles não estavam no mesmo lugar, mas se a cena fosse cortada e unidas as duas partes em uma única, era como se eles pudessem se ver e estivesse frente à frente.
Ela podia senti-lo, e Ele podia vê-la.
Ela escutava sua voz sussurrando, e Ele sentia seu cheiro impregnado nos lençóis.
Ela sorria, e ele se excitava.

Ela o amava, e ele também.

What day is it
And in what month
This clock never seemed so alive
Que dia é
e em que mês
Este relógio nunca pareceu tão vivo!

sábado, 6 de junho de 2009

Olha o que o amor nos deu - Parte II


Comentário inicial: Esta é a continuação da história que eu comecei no poste passado. Quando tudo parecia bem, os problemas voltam a atormentar o casal. E bom, não me perguntem os nomes dos personagens, eu quero que fique assim, para que cada pessoa possa se imaginar no lugar de algum deles.


I am so high, I can hear heaven
I am so high, I can hear heaven
Whoa, but heaven, no heaven don't hear me
Estou tão alto, que posso ouvir o céu
Estou tão alto, que posso ouvir o céu
Pára, mas o céu... não, o céu não pode me ouvir

Alguns dias haviam se passado desde aquele dia em que ela estivera em sua casa. E mesmo depois de tudo que ocorreu entre os dois, havia um vazio que eles não conseguiam completar. Agora, ele tinha vergonha de procurá-la. Não sabia o que dizer, e os dias foram se passando nesta dúvida. Uma semana, depois duas, e ele ainda não conseguia juntar palavras para construir uma frase sequer. A única coisa que sabia era que sentia saudades dela, de seu corpo, e de consolá-la quando precisasse. Mas o tempo vinha passando cada vez mais rápido, principalmente agora, com os preparativos para a viagem que ele faria com a faculdade. Iriam passar alguns dias em um fórum de discussões com alguns advogados e juízes mais experientes. Seria muito construtivo para ele, que estava no meio do curso de direito. Além de informações, ele teria a chance de estagiar em uma das empresas que estava patrocinando o fórum, mas para isso teria que se mudar para outra cidade, pois onde ele morava não havia nenhuma filial. Havia passado dias ocupando a cabeça pensando em como faria para conseguir a vaga, mas a imagem da garota sempre vinha lhe perturbar.
Mesmo que ele fosse procurá-la e dizer o quanto sentia sua falta, como fariam para resolver o problema da distância que se sucederia? De certa forma, ele havia se afastado dela, não apenas por medo, mas por que viu que poderia acontecer algo que ele queria que não acontecesse apenas por acaso. E ao mesmo tempo, ele não poderia continuar namorando a garota à distancia, pois sabia que acabaria ficando louco, querendo estar ao seu lado o tempo todo, sem poder. Mas o que ele sentia não havia mudado, nem por um momento. E além de tudo, ele lembrava com exatidão de quantas pessoas já havia feito sofrer e, definitivamente, não queria isso para eles dois.
Não posso fazê-la sofrer, Pensou.

And they say
That a hero could save us
I'm not gonna stand here and wait
I'll hold onto the wings of the eagles
Watch as we all fly away
E dizem
Que um herói viria nos salvar
Não vou ficar aqui parado esperando
Me agarrarei nas asas de uma águia
Observe enquanto voaremos para longe

Ela olhou mais uma vez seu reflexo no espelho, tentando encontrar algum defeito, alguma falha. Depois, ela analisou seu corpo, observando atentamente o que poderia estar errado. Mas será que o problema realmente estava nela? Sempre se culpava todas as vezes em que as coisas não pareciam bem. Daquela vez, elas não pareciam ter solução. Será que havia se precipitado em ir tão longe com Ele? Mas ela tinha certeza, pois sabia que o amava, e ele a correspondia. Mas então, o que poderia ter dado errado para que ele não a procurasse mais? Será que ela tinha feito algo que ele não gostou, ou será que não tinha sido boa o suficiente.
Todas essas perguntas martelavam em sua cabeça, perturbando seu espírito. Porém, sempre que ia dormir a imagem dos dois vinha em seus pensamentos. E aquelas lembranças não a perturbavam, pelo contrário, confortavam. Sentia uma ânsia poderosa lhe subir pelo corpo toda vez que lembrava daqueles momentos tão íntimos. E eram aqueles instantes de solidão, apenas pensando, que a faziam se sentir tão perto dele.
Mas ela sabia, havia um grande vazio entre os dois.

Someone told me
Love would all save us
But, how can that be
Look what love gave us
Alguém me disse
Que o amor nos salvaria
Mas, como pode ser?
Olha o que o amor nos deu?

— Você está escutando? – perguntou um amigo dele, Zac, tentando lhe chamar atenção.
O garoto balançou a cabeça, saindo de seus devaneios. Seu amigo estava tentando lhe explicar algo sobre direito tributário, mas sua mente estava em outro lugar. Estava nela. Em como ela reagiria àquela solidão. Embora ela sempre tentasse transparecer uma figura forte, ele sabia o quanto ela era sensível por dentro. Mas era para o bem dela.
Para o bem dela, repetiu em pensamento.
— Cara, você tem que falar com ela – disse Zac, como se estivesse lendo os pensamentos do garoto.
— Não posso – ele disse – vai ser melhor assim, sem despedidas.
— Então não se despeça. Pode pedir para que ela espere por você.
— Eu estaria sendo egoísta se pedisse isso. Ela tem o direito de ser feliz.
— Ela vai sofrer muito mais se você não disser nada a ela. Além do mais, faça isso por você.
Ele olhou para seu amigo, como se aquelas palavras estivessem fazendo sentido dentro de sua cabeça.
Depois, sorriu.

A world full of killing
And blood spilling
That world never came
Um mundo cheio de assassinatos
E sangue jorrando
Esse mundo nunca existiu

As páginas do diário da garota foram molhadas pela primeira vez. Uma fina lágrima escorreu pelo canto do nariz, até chegar ali, onde cravaram uma tumba assustadora. Pelo menos a garota, as lágrimas conseguiram assustar. Ela estava relendo algumas páginas antigas, quando viu escrito em umas delas, uma conversa que eles dois haviam tido:
— Afinal, o que você quer? – ela perguntou, após um momento de silêncio, e ele a olhou sem entender.
— O que eu quero? – ele repetiu confuso.
— Exato. Pode responder?
— Em relação à que? Eu quero apenas ser feliz, moça.
— Bom, esta resposta também não me satisfaz – ela disse, descontente.
— O que eu quero, é muito subjetivo.
— É assim mesmo que eu quero que fique. Faço esta pergunta às pessoas, mas elas nunca respondem o que realmente pensam.
— Mas é assim que acontece.
Ele sorriu, confortando-a.
— Eu entendo. Não posso simplesmente esperar que mostre quem são.
— Mostre-se.
— Mas eu já sou descarada por natureza! Não tenho medo de ser quem sou!
— E nem deve ter. Mas relaxe, deixe acontecer e é só ser feliz... Não existe nada tão complicado, apenas deixe ser amor.
Naquele dia, ela se sentiu feliz por ter alguém como ele ao seu lado. Ele a completava de forma única.
E aquela lágrima, mostrava o quanto ela estava em pedaços agora.

And they say
That a hero could save us
I'm not gonna stand here and wait
I'll hold on to the wings of the eagles
Watch as we all fly away
E dizem
Que um herói viria nos salvar
Não vou ficar aqui parado esperando
Me agarrarei nas asas de uma águia
Observe enquanto voaremos para longe

Todos os dias quando ele acordava, via as horas passando, mas não passava a vontade de tê-la em seus braços. Por mais que ocupasse a cabeça, por mais que se esbaldasse com amigos e bebesse vários copos de alguma bebida sem gosto, no fim ele sequer lembrava a hora em que tinha ido dormir pensando em seu sorriso.
Agora, ele estava ali, segurando o telefone e decidindo o que diria quando ela atendesse. Mas antes que pensasse em alguma coisa, uma voz chamou do outro lado da linha:
— Alô?
— Oi. Sou eu… - fez-se uma pausa, como se ele esperasse que ela fosse desligar na sua cara, mas como isso não aconteceu, ele continuou – Moça, que saudade escrota...
— De que? – ela tentava não parece interessada.
— De você.
Silêncio na linha.
— Desculpa, eu posso está sendo injusta, o que não parece ser o caso, mas é meio difícil de acreditar.
Ele engoliu em seco, pois não gostava que duvidassem dele, mas no fundo sabia que ela tinha razão.
— Está certo – ele concordou, prometendo para si que não falaria mais isso.
— Eu teria vários motivos para te dar, mas prefiro não falar disso, não seria nada legal.
— Você que sabe. Realmente hoje eu não estou para discussão.
— Nem eu... Melhor desligar agora...
Ele tentou dizer que ela não desligasse, mas as palavras não saíram. Ela esperou que ele insistisse, mas ouviu apenas o silêncio, e então, desligou.

Now that the world isn't ending
It's love that I'm sending to you
It isn't the love of a hero
And that's why I fear it won't do
Agora que o mundo não está acabando
É amor que estou te enviando
Este não é o amor de um herói
E é por isso que temo que não chegará

Ela viu quando Brad, um garoto que ela acabara de conhecer, aproximou-se de onde ela estava sentada, numa das bancas de um barzinho que ela tinha ido com suas amigas. Não queria fazer o tipo que sofre por amor, e aceitou na hora quando elas a chamaram. Mas agora, estava começando a se arrepender. Brad parecia muito interessado nela, e fazia muitas perguntas a seu respeito. Ela respondia a todas gentilmente, pois não queria ser mal-educada. Foi então que ele perguntou sobre as músicas que ela ouvia, e quando ela foi dizendo, ele foi completando-a, e era visível que tinham gosto parecido. O mais estranho é que esta mesma cena havia acontecido anos atrás, com outra pessoa, e havia sido um momento mágico. Agora, era totalmente esquisito ver Brad se identificar a ela. Em sua concepção, chegava a ser nojento.
Ela tinha se acostumado à presença dele, e já não conseguia se relacionar com outras pessoas.
Foi então que surgiu a pergunta que ela sabia que viria:
— Você tem namorado?
Ela pensou um pouco.
— Na verdade... Eu tenho.
— E por que ele não está aqui com você? Que tipo de cara deixa uma garota linda como você sozinha?
— Vai ter que perguntar isso pra ele.
— Ainda não posso acreditar – ele era insistente.
— Quer que eu ligue pra ele? – perguntou, tentando parecer convincente, e realmente achava que ele fosse dizer que não precisava.
— Quero.
Ela engoliu em seco. E agora? Teria que ligar para alguém, e Ele foi a primeira pessoa que veio à sua cabeça. Escutou enquanto o telefone chamava, rezando para que ninguém atendesse. Já se passava das duas da madrugada, e ele provavelmente estaria dormindo. Olhou apreensiva para o garoto ao seu lado, que esperava para ver o que acontecia. Ela imaginou Brad apanhando o celular de suas mãos, e falando com Ele. Provavelmente perguntaria se ela era sua namorada, e ele diria que não.
Esperou o telefone chamar mais uma vez, mas Ele não atendeu.
— Deve estar dormindo – ela disse, largando o celular em cima da mesa.
Depois disso, saiu para falar com algumas amigas que havia reconhecido. Não viu quando o celular começou a tocar, e Brad, que estava por perto, reconheceu o número como sendo o que ela havia acabado de discar, e rejeitou a ligação.

And they say
That a hero could save us
I'm not gonna stand here and wait
I'll hold on to the wings of the eagles
Watch as we all fly away
E dizem
Que um herói viria nos salvar
Não vou ficar aqui parado esperando
Me agarrarei nas asas de uma águia
Observe enquanto voaremos para longe

Ele observou quando os alunos saíam de dentro da escola, cada um pegando um rumo diferente. Viu quando ela passou pelo portão, acompanhada de algumas amigas que sorriam para a garota. Uma destas amigas o viu, e acenou com a cabeça para que ela se virasse e olhasse quem estava ali. Ela quase não acreditou. O que ele queria agora? Depois de todas as semanas sem aparecer, agora ele estava ali, e estava indo falar com ela.
— Acho melhor pararmos de enrolar, e termos logo uma conversa – ele disse.
— Tem algo que você queira me dizer? – ela fez uma falsa cara de surpresa, com um sorriso cínico.
— Estou indo embora.
De repente, o sorriso cínico se desmanchou na face da garota. Como assim, embora? Como ele poderia fazer isso com ela? Ele não tinha esse direito!
— Embora? – ela repetiu.
— Não é tão longe, estou indo para a capital. Vou fazer um estágio numa empresa de advocacia. Vai ser bom para mim, e é uma chance única.
— Mas... E a faculdade? E seus amigos?
Mas e EU? Ela pensou.
— É apenas por um ano. E posso vir aqui nas férias e nos feriados. Vou transferir meu curso para uma faculdade de lá.
— E você veio aqui só para isso? Para se despedir? – ela parecia não se segurar dentro do próprio corpo.
— Ei, moça, você sabe que eu gosto de você, mas enquanto eu não estiver por aqui, não dá para pensar em nada... Eu me afastei, por que sabia o quanto seria difícil pra ti lidar com a distância. Eu queria te preparar pra isso, e além do mais, não quero que as coisas entre nós aconteçam simplesmente por acontecer. E ao mesmo tempo, não dá pra namorar porque se não eu vou ficar louco querendo estar o tempo todo ao seu lado sem poder.
— Devia ter me dado a chance de decidir se queria lidar com essa distância ou não.
— O problema é que já fiz muitas pessoas sofrerem, e não quero isso pra você.
— Mas e o que eu sinto não conta? Me deixou sozinha todo esse tempo, e eu andei pensando em muitas coisas. Você sempre estava no meio delas. Não sei por que isso acontece, só sei que acontece! Fiquei pensando em tudo que aconteceu entre nós, e queria que tudo voltasse, mas agora parece impossível... Você está indo embora! E eu vou ficar sozinha de novo... Por mais que eu pense em você, eu não o tenho para mim...
— Isso também acontece comigo. Andei pensando nisso. Será que... Não há uma solução?
— Você quer uma solução? Agora a pouco estava terminando tudo comigo.
— Não estava terminando, estava apenas explicando a minha falta. Para falar a verdade, eu também não ia conseguir ficar sem você. Nada do que sinto mudou.
Ele aproximou-se ainda mais dela, e a embalou em seus braços. Queria senti-la e mostrar a ela que ainda poderia confiar nele.
— Acho que há uma solução sim, eu posso esperar por você – ela disse, após alguns segundos sentido o calor do corpo do garoto.
— Só te peço pra não desistir sem tentar. E se for fazer algo, faça por você, não se deixe levar.
— Há pessoas que vencem doenças, vencem barreiras sociais, e nós temos apenas a distância. Parece algo tão pequeno.
— É pequeno sim. É mínimo. Mas a gente não vai ter como se ver. Isso é muito cruel. Eu juro que queria dizer algo para te tranqüilizar, mas não encontro as palavras, nem eu estou tranqüilo.
— Moço, esse ano é muito importante para mim, pela primeira vez eu sei o que quero da minha vida, e você tem que ajudar nisso.
— E eu vou ajudar. Nada do que sinto mudou, e nem vai mudar tão fácil. Desculpa por ter te deixado sozinha, eu tenho andado realmente estranho esse dias, mas vou mudar isso. Só te peço pra não fazer nada que nos torne impossível.
— E eu peço que você se torne possível.
— Mas eu sou.
— Que seja para mim!
— Moça, eu te amo, tem paciência comigo. É só isso que eu te peço.
Ela demorou um pouco e depois, olhando nos olhos dele, ela disse:
— Eu vou te esperar.

And they're watching us
They're watching us
As we all fly away
E eles estão nos vendo
Eles estão nos vendo
Enquanto voamos para longe

About Me

Minha foto
Estudante de Direito, Escritora nos momentos de melancolia, melhor amiga nos momentos de felicidade e flamenguista sofredora.