A vida, segundo Kierkegaard

'A vida só pode ser compreendida se olharmos para trás, mas deve ser vivida para frente...'
Diários, Soren Kierkegaard.

domingo, 7 de junho de 2009

Que dia é hoje? - Parte III






What day is it and in what month

This clock never seemed so alive
I can't keep up
And I can't back down
I've been losing so much time
Que dia é hoje e de que mês?
O relógio nunca pareceu tão vivo
Eu não posso prosseguir
E eu não posso desistir
Tenho perdido tempo demais


Deitada em sua cama, num quarto repleto de ursos e móveis em tons pastel, ela observava os pingos de chuva caindo e se arrastando no vidro da janela. Um ano, definitivamente, era muito tempo. Mas não seria tempo suficiente para que ela o esquecesse. Todos os dias ela imaginava o que ele estava fazendo. Se estava feliz, se esperava por ela e se também pensava nela àquele instante. Os dias pareciam se arrastar, como se quisessem testar o seu amor por ele.
Ela escutou quando um trovão rugiu como o rei dos céus, e tentou assustá-la, fazendo-a lembrar do último dia em que o vira.
— Você tem certeza? – ele disse, antes de entrar no ônibus.
Ele estava sério, e isso a fez assustar um pouco. Não tinha parado para pensar no peso daquela decisão, mas não iria desistir agora. Havia prometido que o esperaria e era isso que ela iria fazer.
— Eu tenho certeza.
Ela sorriu, e ele a abraçou uma última vez. Depois disso, uma chuva começou a cair de repente, e ele correu para a porta do ônibus, onde acenou para a garota. E foi embora.
A chuva o havia levado, e ela queria amaldiçoar aqueles pingos que insistiam em lhe perturbar.

Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to lose
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you
Porque é você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para perder
E é você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você


Ela estava ali, parada na porta do quarto dele, esperando que ele acordasse. Quando ele abriu os olhos, viu ela se aproximar devagar, seu rosto já estava bem próximo, e ele fechou os olhos esperando pelo beijo. Mas quando abriu novamente, ela já não se encontrava lá. Havia sonhando mais uma vez com os olhos negros a lhe perscrutar, a boca a lhe seduzir, seu jeito quase inocente de ser sensual.
Ele passou horas, apenas se perguntando como podia amá-la de uma forma tão intensa, mesmo com todos aqueles quilômetros que os afastavam. Já haviam se passado algumas semanas, e ele já conhecera várias pessoas com quem trabalharia, além das palestras do fórum que lhe ocupavam o dia inteiro. Ainda assim, rezava para que o fórum terminasse logo, para ele poder voltar para seu apartamento e ligar para Ela.
Olhou mais uma vez para a porta, onde ela estava até segundos atrás, e embora soubesse que era apenas um sonho, no fundo ele tinha esperanças que fosse verdade. Quando viu a fechada, poderia ficar triste, porém, lembrou-se de uma vez em que a encontrara em uma festa, antes de eles começarem a namorar. Ele havia bebido mais que o normal, mas mesmo assim, não poderia deixar de notá-la. Sabia que a conhecia de algum lugar, mas não se lembrava de onde. Como poderia esquecer um rosto tão bonito?
Aproximou-se devagar e tocou em seu ombro, o que a fez assustar e ela se virou de repente, olhando-o sem entender. Ele juntou palavras:
— Eu estava procurando por você.
Que cantada barata, de onde você tirou isso? Pensou ele.
— Por mim? – ela respondeu, sem entender menos ainda.
— Claro, passei a noite inteira te procurando.
Ela caiu nessa! Ele pensou já se empolgando.
— Terá que procurar mais um pouco, eu não sou essa pessoa.
Ela fez menção de sair, mas ele a impediu:
— Qual seu nome? – fez uma última pergunta.
Ela sorriu com apenas um canto dos lábios. Porém, não disse nada. Apenas saiu, como se deslizasse, e de repente, sumiu na multidão. Ele só percebeu que ela não estava mais ali, segundos depois quando se lembrou de onde a conhecia:
— A garota da chuva!
Olhou por todos os lados, procurando-a, mas era como se ela nunca tivesse estado ali.

All of the things that I want to say
Just aren't coming out right
I'm tripping inwards
You got my head spinning
I don't know where to go from here
Todas as coisas que quero dizer
Não estão saindo direito
Viajando em mim mesmo
Você deixou minha mente girando
Eu não sei pra onde ir daqui


Ela podia lembrar com detalhes daquela tarde. Estava em sua casa, assistindo algum programa sem tanto interesse. Escutou quando um carro estacionou em frente à sua casa e esperou que tocassem a campainha. Quando esta soou, ela levantou-se preguiçosamente do sofá e foi até a porta, ver de quem se tratava. Deu um passo para trás quando o viu ali. O que ele está fazendo aqui? Ele não tinha costume de ir até sua casa, apenas algumas vezes em que fora deixá-la após um encontro. Mas assim, sem avisar, não fazia o tipo dele.
Ela deu espaço para que ele entrasse, mas ele se limitou a ficar perto da porta, como se dissesse que não ia demorar muito.
Timidez, pensou ela.
Embora soubesse que aquela não era exatamente a característica que o definiria, mas pela situação, era a que ele se encontrava. Olhando um pouco para o chão, e um pouco para ela, ele disse:
— Vim saber se você vai para a festa de hoje.
— Vou, sim.
— E que horas quer que eu passe aqui?
— Passar aqui? – ela repetiu, como se não houvesse entendido.
— Claro, você vai comigo – ele respondeu como se fosse algo óbvio.
Ela sorriu por dentro. Sabia, aquela era a forma que ele tinha de chamá-la para sair.
— Ás onze, então.
— Certo – ele concordou, depois se despediu e saiu pela porta, ainda meio tímido. Ela o acompanhou até seu carro, e notou que um sereno manso caía sobre eles. O garoto abriu a porta do carro, e já ia entrar, quando parou e se virou para ela, que havia cruzado os braços por causa do vento trazido pelo início de chuva.
— Tem mais uma coisa que eu queria te perguntar.
Ele parou como se tentasse lembrar algo. Era agora, ele teria que ter coragem, e pedi-la em namoro. Abriu a boca para começar a dizer as palavras, mas ela o interrompeu:
— Será que não pode me perguntar isso hoje à noite? Eu estou me molhando, e hoje não é um bom dia para se pegar um resfriado.
— Claro...
Hoje à noite, ele repetiu em pensamento.

Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to prove
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you
Porque é você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para provar
E é você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você


— Você está linda, moça – ele lembrou-se do que havia dito a ela na noite em que fora buscá-la para irem a uma festa. Seria sua oportunidade de pedi-la em namoro e queria tornar o momento especial.
Agora não, terei a noite inteira para isso, Ele pensou.

Já na festa, ele estava apreensivo, e ela notou aquilo de certa forma. O garoto tentava disfarçar falando sobre outras coisas, mas seu estômago parecia revirar todas as vezes em que a olhava. Ela estava tão linda naquele vestido roxo, um pouco curto, deixando as pernas à mostra. Ele sentia que qualquer garoto ali queria pedi-la em namoro, e não sabia por que aquilo era tão difícil para ele. Bebeu mais um gole de uma cerveja, e sentiu o estrago que aquilo fez em seu estômago. Não sabia ao certo se era pelo nervosismo, ou a bebida que realmente não caíra bem, mas estava enjoado e sentiu vontade de vomitar.
— Você está pálido! O que está acontecendo? – ela disse.
— Não estou me sentindo bem – ele respondeu com uma cara feia, como se fosse vomitar ali mesmo.
— Então vamos para o hospital, você não pode vomitar aqui.
O hospital não era bem o local que ele tinha em mente para levá-la àquela noite, mas não estava mais agüentando os enjôos, e não tinha outra saída.

— Você vai ficar bem – disse a enfermeira, enfiando uma agulha em seu pulso e ajeitando um pacote com soro para que não derramasse de mais nem de menos.
Quando a mulher terminou e foi atender outro paciente, ele virou-se para a garota que estava ao seu lado, e disse:
— Eu não planejei isso.
Ela fez uma cara estranha, como isso fosse óbvio.
— Claro que não! Por que planejaria isso?
Ele demorou um pouco. Aquela não era a situação mais adequada, mas ele não queria mais perder tempo, então:
— Você vai ter que fazer uma decisão.
— Uma decisão? Eu odeio decisões...
Ela viu nos olhos dele a sinceridade daquelas palavras, e sentiu um medo lhe dominar. Do que ele estava falando? Será que era algum prenúncio de desculpa para terminar com ela? Mas terminar o que, se eles sequer eram namorados, só haviam saído algumas vezes. Ela já estava gostando dele, e não queria que tudo acabasse assim, sem mesmo começar. Mas seus temores foram vencidos, quando ele terminou o que tinha para dizer:
— Mas terá que fazer uma mesmo assim. Vai ter que decidir se quer ser minha namorada.

There's something about you now
I can't quite figure out
Everything she does is beautiful
Everything she does is right
Existe algo sobre você agora
Que não consigo compreender completamente
Tudo o que ela faz é bonito
Tudo o que ela faz é certo


Ela passou o dedo indicador entre os lábios, tentando lembrar quando foi o primeiro beijo.
Estava sozinha no ponto de ônibus, esperando a chuva passar para que ela pudesse ir para o colégio, quando uma figura aproximou-se e sentou ao seu lado.
— Será que dessa vez eu posso saber seu nome? – ele disse, e ela o encarou.
Era o garoto da festa, que tinha lhe passado uma cantada barata.
— Se você for sincero... – ela respondeu.
— Tudo bem. Te encontrei por acaso, não estive te procurando ou te seguindo. Ainda nem sei seu nome, mas é a segunda vez que a vejo no meio de uma chuva. Pelo menos desta vez você está protegida.
— Protegida de que? A chuva não é nenhum mal. Pelo contrário, ela lava a sua alma, te livrando dos maus pensamentos. Em mim, ela sempre traz lembranças.
— Talvez ela não seja tão ruim, desde que ela me dê algo que eu estou querendo muito.
Ele chegou ainda mais perto da garota, que agora podia sentir sua respiração.
— Por que não tenta pedir a ela?
— É o que eu vou fazer.
Em seguida, puxou a garota e a beijou. Um beijo tímido, mas que a garota jamais esquecera. Todos os dias quando passava por ali, ela podia voltar àquela manhã e sentir o sabor daquele beijo novamente.
Talvez a chuva não seja tão ruim assim, ele pensou.

You and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to lose
And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of
Você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para perder
E é você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você


Ele virou para o lado esquerdo da cama, e ela, para o lado direito. Eles não estavam no mesmo lugar, mas se a cena fosse cortada e unidas as duas partes em uma única, era como se eles pudessem se ver e estivesse frente à frente.
Ela podia senti-lo, e Ele podia vê-la.
Ela escutava sua voz sussurrando, e Ele sentia seu cheiro impregnado nos lençóis.
Ela sorria, e ele se excitava.

Ela o amava, e ele também.

What day is it
And in what month
This clock never seemed so alive
Que dia é
e em que mês
Este relógio nunca pareceu tão vivo!

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Estudante de Direito, Escritora nos momentos de melancolia, melhor amiga nos momentos de felicidade e flamenguista sofredora.